quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Recife






                                                                                 
                                                                               Quando o mar do Recife
                                                                                                 assim se banha,
                                                                                   o dia amanhece
                                                                                                 em minhas
                                                                                                                mãos."

                                                                                                        Audálio Alves.

                    Recife cidade mil

                    Céu azul anil

                    Teus coqueirais

                    Sombra,

                    Um vento quente com

                   Águas mornas de

                   Um mar aberto juvenil,

                   Com seus arrecifes

                   Piscinas verdes de beleza

                   Transparente

                   Pôr-do-sol

                   Laranja rosa

                   Cores

                   Aromas transformando-se em

                   Estrelas de um céu gentil.


                   Recife

                   Cidade de encanto

                   Som de vários ritmos

                   Colorido em ti

                  Tudo ganha sentido.


                  Recife

                  Beleza genuína

                  Rios que ainda mortos

                  Mesmo assim

                  Cantam o silêncio da

                  Mata perdida

                  O barulho do asfalto

                  Explode nas avenidas

                  Curvas

                  Mistérios

                  Arte

                  Que sobrevive

                  Mesmo sem nenhum cuidado.

                  Preservada,

                 Recife é um retrato da cidade

                 Em movimento.


                 Recife

                 Onde o meu coração mora

                 Enraizado culturalmente.

                 O mar translúcido infinito
   
                 Carrega a minha alma

                 Nas tuas ondas

                 Descansando nas tuas piscinas naturais,

                 Verde que anima e

                 No teu céu azul anoiteço em

                 Tuas estrelas

                 Que brilham os meus

                 Sonhos

                 Me sentindo inteira.


                 Recife

                 Menina, mulher

                 Paraíso,

                 Loucura

                Anunciada.

                Desorganizadamente cresce

                Pobreza ainda

                Sujeira em seus cantos

               Que não cheira nenhum encanto.

               Natureza vasta

              Que aguarda um tempo

              De ser olhada

              Entendida, amada.


              Recife

              Pontes de luz

             Casa das garças

             O branco no verde

             O artista

             Que livremente

             Muda a paisagem.


             Recife

            Com sabor de pitanga

            Que caminha no ritmo

            Do frevo único

            Com a sua

            Essência mestiça.

           A sua fala

           Cantadores poetas

           Ritmos diversos

           Multicultural.

           Filhos

           Pensadores

           Individualistas

           Rebeldia é o seu

           Nome artístico.

           Solidariedade

           Conscientes

           Moradores.



Suzete Brainer ( Direitos autorais registrados)

Imagem: Foto de Wilton Marcelino.


Dedico à Narinha:
  
Para matar a saudade da nossa Terrinha...

Um cheiro e abraço bem apertado (cheio de afeto)!




sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Pequeno Sonho de Liberdade










Cansei.
Há o silêncio sobrevoando,
à espera de afastar a fera de luzes ardidas.
Buzinas saltitantes de mãos ansiosas no volante.
Distante,
a consciência aguarda a vaga
Luz,
que todos somos importantes:
na vista
na pista
na vida
na fila
    dos instantes da imprescindível
        igualdade do que somos.

A máquina é conduzida
acelerando a desprezível gentileza
pelo incômodo ao lado
( pela apropriação indébita do espaço);
nesta selva urbana,
em que se distribuem senhas
das condutas irascíveis humanas.

Quero,
descalça,
sentir a  areia
aprofundando os meus pés livres,
neste pequeno sonho de liberdade! 



Suzete Brainer (Direitos autorais registrados)

Imagem: Obra de Inna Tsukakhina.



sexta-feira, 9 de outubro de 2015

O Filósofo Burguês...








Lembro-me deste querido amigo com uma saudade dorida, mas sempre acompanhada de um sorriso. A nossa amizade sempre foi recheada pelo o humor; o meu amigo era um perito da ironia desconcertante e sedutora. Reclamava de mim, sempre dizendo que eu não levava a sério o seu mau humor e visão ácida (crítica) do cotidiano...

Tínhamos filosofia e visão de mundo bem diferentes. No gosto musical, na literatura, cinema e artes em geral, éramos como irmãos gêmeos; estávamos na mesma sintonia. Ele não suportava o contato com a natureza, apesar de adorá-la como imagem de contemplação. Colocar os pés no chão, para ele, era despir a sua alma. Assim dizia: “nada melhor do que um ar condicionado; aquele botão para diminuir ou aumentar a temperatura; um bom livro na mão ocupando os olhos ao preenchimento da mente e à audição, o sublime noturno de Chopin...”

Não entendia a minha necessidade da natureza, a mãe terra. Por isso me apelidou de “menina das borboletas” e, por sua vez, o apelidei de o “filósofo burguês”.  Fora isso, era de uma humanidade luminosa e genuína (atitudes de solidariedade e altruísmo raros), mediante garantia de anonimato. Ele ria quando eu verbalizava que adorava “a sua gentileza rústica”.

Às vezes, quando nos encontrávamos para conversar no café; apreciar um cappuccino e trocar informações preciosas sobre literatura, música e artes em geral. Tudo saboreado pelo senso de humor... Ele afirmava:     
- Su, fico impressionado como tu és identificada com a minha geração. Só te localizo na geração a que pertences, nos teus projetos de “menina das borboletas”; pela sintonia com a natureza, meditação e autonomia feminina. Há uma diferença de gerações entre nós, que poderia constituir um abismo, entretanto, tu és a amiga mais próxima, a única que percorreu um caminho por dentro de mim (alma). A única que conhece o grafite do meu mau humor por todos detestado.  Só tu desabas de rir, não me levando a sério e me afastando do compromisso de ser intransigente. Mas não sou um intransigente qualquer, sou um intransigente irônico!
Antes de responder, observei que o meu amigo estava emocionado, como nunca tinha visto antes. Pressenti algo, uma sensação tão estranha, uma ausência (futura?) dele.
- Este “filósofo Burguês” está tão sensível hoje, que estou com saudade do seu lado grafite! Tem algo novo para me dizer?
- Sim. Minha namorada eu a amo, os meus filhos e os poucos amigos, também. Mas a ti, minha doce amiga, eu amo e adoro!...
- Essa despendida é por conta “deste adoro”, que só a mim pertence. Fico sem este abono e prometo suportar o teu humor grafite, sem nenhuma desmoralização, sem nenhuma crise de riso frouxo...

Fazia meses que não nos encontrávamos, sendo aquele o nosso último encontro regado da nossa amizade. Um dos melhores amigos que tive... Cada vez mais a minha listinha é curta, mínima. Amizade é uma joia rara de se encontrar; o mundo está repleto de joias falsificadas, de fácil acesso na vitrine das aparências.

Uma semana após o nosso encontro, recebi um aviso da sua namorada (ele era divorciado), que ele estava internado no hospital, aguardando uma cirurgia. Quando fui visitá-lo, constatei o cenário original: as enfermeiras sorrindo com o “texto hilário” do meu amigo, as palavras ironicamente pousadas no ambiente, transcendendo a monotonia habitual do hospital.

No dia da sua cirurgia cardíaca, ele segurou a minha mão:
- Saindo desta sala pré-morte, irei participar dos teus projetos de “menina das borboletas”; respirar ar puro, meditar até o nada do silêncio, mas se não, irei para o nada do silêncio também...

Eu só chorava num silêncio das palavras boiando numa dor latejante... Ele, com as mãos fazendo o movimento, como o das asas das borboletas...

Ele não resistiu à cirurgia. Até hoje, quando medito, encontro-o no silêncio do nada.

Hoje, seria dia do seu aniversário. Imagino que deves estar fazendo barulho no silêncio... Como sinto saudade do teu barulho sonoro (Beethoviano), meu amigo!...



Suzete Brainer (Direitos autorais registrados)

Imagem: Obra de Lidia Wylangowska.


    



sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Um Dia Vestido de Ternura Frágil...






Tenho um olhar (muito meu) para as crianças e adolescentes de rua; sempre encontro uma ternura frágil neles, coberta pela couraça da agressividade, violência e irreverência que usam rotineiramente como ferramenta de sobrevivência em relação ao abandono, à marginalidade e o preconceito. Talvez este meu olhar e sentir construiu uma ponte invisível numa conexão solidária entre nós.
Desta ponte invisível estabelecida, surgiram encontros que pintaram os dias com cores especiais. A primeira cor permitiu-me o reconhecimento da irmandade humana, possibilitando olhá-los sem medo (eles detestam sentir olhar de medo da “vítima”; e isto impulsiona a “fera” deles); a segunda cor é o acolhimento no gesto do encontro: um olhar afetuoso, uma palavra na partilha e a terceira cor é não julgá-los como demônios, monstros cruéis que roubam simplesmente.

Quando cursava Psicologia na FAFIRE (considerada melhor faculdade de Psicologia), mesmo situada no ambiente urbano de trânsito intenso e a consequente poluição que não me agradava; por lá transitavam grupos de meninos de rua que quase sempre furtavam os estudantes suprimido-lhes relógios, passe estudantil e bolsas com todos pertences. As jovens universitárias sempre andavam em grupo; todas apavoradas. Um dia, saindo da faculdade com um pacote de pipocas na mão,  para pegar o ônibus, ao avistar o grupo que vinha em minha direção, não tive dúvida: parei e fiquei olhando (no meu olhar não existia medo) para eles. Ofereci pipocas. Conversamos naturalmente. Após um tempo de conversa, pediram-me dinheiro.  Peguei a carteira da bolsa, mesmo tendo dinheiro, optei por dar três passes estudantis a eles, ficando apenas com da minha passagem. Vendo que eu tirei a carteira na frente deles sem demostrar receio, o líder do grupo peguntou: 
-Tia, tu não tem medo da gente? 
-Não. Mas, se vocês quiserem passo a ter medo (brincando, fiz que estava tremendo as mãos)...
Todos desabaram numa gargalhada...
-Tá Tia, tu ganhou nosso respeito!
Peguei o ônibus com menos três passes estudantis, mas com o sabor da gargalhada daqueles meninos. Para mim eram meninos e me recuso a vê-los simplesmente como marginais.

Esse elo de afeto e respeito permeou sempre os nossos caminhos, a nossa ponte invisível tinha uma solidez, difícil de encontrar na materialidade dos contatos comuns, sedimentado no terreno da desconfiança e superficialidade baseada numa gentileza egóica.

Do caminho entre a faculdade e a parada de ônibus, havia um bar fora do horário de funcionamento, avistei o grupo dos meninos em fila perto da entrada da cozinha. Resolvi me aproximar para saber o que estava acontecendo. Foi quando um deles me disse que aguardavam o cozinheiro que oferecia um lanche para eles, toda quinta-feira. Havia um adolescente que eu nunca tinha visto no grupo. Ele me olhou com a cara bem feia:
-Moça!  Não queremos saber de conversa, não...
-A Tia é gente boa, não fala assim com ela! - disse o líder do grupo
-Olha, ficando bonzinho com todo mundo, a gente deixa de ser respeitado, e como a gente vai viver?
-A Tia respeita a gente de outro jeito...
Eu me afastei com emoção, ecoando em mim a sublimidade da frase: “A Tia respeita a gente de outro jeito”...

Lembro de uma amiga traumatizada. Dela tinham sido furtados vários relógios e bolsa com o ônibus em movimento. Por tais motivos, ela me confessou que tinha pavor dos meninos de rua. À medida que ficamos mais amigas, procurei aproximá-la deles. Daí passamos a compartilhar este novo olhar e conviver passeando pela ponte invisível da amizade solidária... Deixávamos de lanchar na cantina da faculdade, que tinha o preço mais caro, fazíamos o lanche na carrocinha de frente à faculdade e assim podíamos pagar o lanche dos meninos e conversar um pouco com eles. Uma vez por semana tínhamos também aula à noite. Aconteceu algo lindo com a minha amiga, ela teve que andar naquele dia por um percurso perigoso até chegar à faculdade. Foi quando ela me contou que tinha vindo com o grupo dos meninos acompanhando os seus passos, como anjos protegendo-a e, ela emocionada, me abraçou agradecendo por ter ajudado a construir um olhar de irmandade (aceitação) para com os meninos, estes com asas guardadas para a hora essencial!...

Após muitos anos da minha formatura, estava eu de volta do almoço para atravessar duas pistas com canteiro. Pistas de muito movimento e de frente para o prédio do meu consultório.
De repete uma senhora se aproximou de mim, muito assustada. Estava tão nervosa que tinha dificuldade de falar, a princípio pensei que ela estivesse passando mal ou com medo de atravessar as pistas. Procurei tranquilizá-la, oferecendo a minha ajuda e foi quando percebi que ela apontava para direção de alguém. Quando eu olhei, era um menino de rua, bem magro e alto e tinha na mão um canivete. Simplesmente disse para ela que ficasse calma e que eu ia resolver. Ela, com uma cara de espanto, argumentou que eu não teria força física para nos defender. Eu recomendei que ela ficasse ali e dei alguns passos a frente ao encontro do menino (adolescente). Lembrei-me de imediato da ponte invisível, pintando a tela daquele instante com as três cores. Depois de alguns minutos de conversa com ele, permeada pelo o meu olhar que abraça; dissolvendo qualquer ameaça, eu verbalizo:
- Você está com fome? Eu estou sem bolsa, mas posso pagar um lanche naquela lanchonete daquele prédio, se quiser?
- Legal Tia! Acabei de encher o bucho numa padaria, uma mulher pagou pra eu (dando uma batidinha na barriga)...
- Qual a necessidade dessa arma (canivete)?
- Não vou te machucar, Tia! A lida na rua é perigo pra todo lado, neguinho não pode ficar sem canivete...
- Imagino como deve ser difícil... E sua família, Mãe?
- Depois que Pai abandonou a gente, Mãe arrumou um homem pior do que ele e nisso fugi de casa, passo uns dias na casa da minha avó e assim vai...
- E a escola?
- Ah! Tia, é pergunta demais... Vou me bora!
- Ok. Gostei muito de conversar com você! Apenas queria te ajudar...
Peguei na mão dele e desejei paz. Encontrei ternura no seu olhar com um sorriso tímido, me deu uma resposta bem humorada.
- Tia dá um pouco dessa paz pra véia, ela não para de tremer, eu não sou o demônio não, véia!
- Tchau, Tia! Tu é legal!
Rapidamente sumiu na ponte invisível, cruzando as esquinas e se perdendo na margem de um destino tão cruel. Na fila enorme da desigualdade social...
Peguei na mão da senhora para atravessar as pistas, acomodando-a num táxi. Ela me agradeceu muito, dizendo que jamais esqueceria aquele dia...

Eu fiquei com um profundo incomodo: O de ver a vida daquele menino de dias vestidos de ternura frágil, ser e ter uma arma apontada, impossibilitando seus sonhos!...



Suzete Brainer (Direitos autorais registrados)


Imagem: Obra de Alexei Antonov.