domingo, 26 de junho de 2016

O Vento Música












Ela passeava pelos campos de margarida. Longe, o sol se despedindo com o brilho de quem ama, assentou nos seus cabelos, cristalizando o dourado em subtons de paixão e desejo de entrega.
  
Ela rodopiou nua por dentro, esta nudez  libertadora, com a pureza de pensamentos; surgindo, nascendo e crescendo na onda de amor que não se cala. Até o silêncio é música sem escala, que se fez vento à noite, no qual todas as janelas se abrem para sua imensidão.

Ela aprecia o vento lhe envolvendo e, sem voz e sem pensamento, deixa ele ser seu dono...



Suzete Brainer (Direitos autorais registrados)

Imagem: Obra de Lauri Blank










sexta-feira, 24 de junho de 2016

A Menina que Gostava de Perguntar, Mas Não Gostava de Mentiras.












Estou eu aqui novamente voltando para a minha infância, mas coleciono algumas histórias boas de serem contadas, talvez não escreva tão bem como as tenho guardadas na minha caixa de histórias. Esta caixa foi presenteada pela minha avó. Quem teve uma avó contadora de histórias, fica com os olhos a brilhar na luz da imaginação...

A minha avó tem muita responsabilidade pela minha alegria de criança e também por sempre gostar de saber como tudo funcionava, antes de escurecer as repostas, sempre tinha as  perguntas que não calavam o final sem propósito.

Qualquer experiência nova ou lugar novo, sempre vinha com as minhas perguntas, para desagrado dos adultos que não gostavam de responder e nem de pensar.

Assim começou a tragicomédia das minhas idas aos dentistas. Minha mãe levando a mim e minha irmã, sem nada dizer para quê e o que fazer lá. A minha irmã (mais velha dois anos), entrava primeiro na sala; aquele silêncio absoluto e, depois de certo tempo, ela saia com um lenço na boca, acompanhado de um olhar triste e quando eu falava com ela, não podia responder por conta da anestesia.  A minha mãe com um sorriso discreto e voz autoritária, dizia que era a minha vez de entrar, e ali, percebi que o ambiente era deveras desagradável. Fui sentada naquela cadeira cheia de mistérios ligados a experiências dolorosas que eu não estava nem um pouco receptiva para vivenciá-las. Com toda a minha rapidez de observação, analisei as minhas armas de defesas.  Começava o espetáculo: gritei, mordi o dedo da minha mãe, chutei a barriga do dentista e fugi da cadeira misteriosa, identificada como perigo à vista. Nos meus 6 para 7 anos, tinha uma força de não aceitar  o que me era imposto e desagradável; sendo os motivos explicados e com carinho, tudo acabava bem. Mas, não suportava mentiras, se me contassem alguma mentira para me convencer, era a certeza de que eu não seria uma cordeirinha obediente.

Depois de um mês fomos levadas para outro consultório de dentista e desta vez, a minha mãe, aconselhada por alguém, inventou uma história para me convencer. Ela não escutou a minha avó que dizia: fale a verdade para Suzete, diga com jeitinho e tudo ocorrerá bem. Eu, toda alegre, pensando que ia para o cinema e tomar sorvete depois do filme. O filme era o encontro com a tal cadeira e o dentista, e desta vez, foi traumático: fui anestesiada, mas  não deixei o dentista concluir o procedimento; fiz o meu espetáculo com chutes, gritos e fuga para a sala de espera, e lá, todas as crianças fizeram coro comigo no choro e na gritaria.

Noutro dia, pela manhã, a minha mãe querendo saber o motivo daquele meu comportamento, já que nunca tinha me comportado daquele jeito. Eu questionei as mentiras e voltei a querer saber qual a razão de aceitar ir para um lugar ruim daquele, ela disse que era para saúde e eu perguntei por que tem que sentir dor, para ficar com saúde nos meus dentes? Ela nada respondeu.

Meu irmão, (mais velho 8 anos), disse que ia me levar a uma dentista maravilhosa - ele tinha motivos bem específicos: queria namorar com a jovem dentista. Minha mãe disse: é melhor eu ir junto ou com sua irmã, pois Suzete pode manisfestar um comportamento desobediente e ele, muito confiante, disse que com ele seria diferente. Prometeu sorvete no final, mas não contou nenhuma mentira sobre o local. Fui sabendo que era dentista, mas não esperava sentir medo da tal cadeira “perigo” e aconteceu. Desta vez, a dentista bem calma, disse que não ia fazer nada e me liberou. Aconselhou uma professora dela e deu o endereço do seu consultório para meu irmão. Na despendida, eu com lágrimas perduradas nos olhos, lhe pedi desculpa, por me comportar mal, já que meu irmão queria namorar com ela, e todos ficaram rindo,  o meu irmão olhou para mim com censura. Pedi o sorvete, ele  negou e depois me levou para sorveteria perto do consultório. Quando estávamos lá, chegou a assistente da dentista com recado para meu irmão, ele todo animado, olhou para mim disse: quer mais sorvete ? Eu, de imediato, pedi outro de chocolate. 


Fui para dentista recomendada, com a minha mãe, e ela toda preocupada com o meu comportamento. Quanto entro no consultório, localizo a cadeira “perigo”, mas a dentista (uma senhora simpática), me chama para sentar no sofá, de costas para cadeira “perigo”. Pergunta-me se gosto de conversar, eu digo que sim. Ela, de forma muito gentil, me diz que eu sou uma menina linda, meiga e magrinha, e não consegue acreditar no que a minha mãe relatou sobre o meu comportamento. Com um jeito bem engraçado, ela me diz:”É exagero da mamãe, né?”. Eu lhe digo que é tudo verdade, fiz aquilo tudo mesmo. Ela me diz de forma mais engraçada ainda: ”Por acaso, quando você crescer será lutadora?”. Eu neguei com o gesto da cabeça. E, antes que ela me fizesse mais uma pergunta, afinal eu que gosto de perguntar, lhe disse que não gosto de mentiras e fui enganada sobre ir ao dentista. Ela olhou para mim, dizendo que apreciava muito  meninas que não gostavam de mentiras e que, como eu gostava de saber como tudo funcionava, ela responderia às minhas perguntas todas. Eu fiz todas as perguntas sobre cada coisa da cadeira “perigo” e depois me sentei sozinha e disse, podemos começar o tratamento. A dentista fez um acordo comigo: todo o instrumento que ela ia utilizar me dizia o nome e a função do mesmo, e também, qualquer dor que eu sentisse, apertava o seu braço e ela parava. Depois de horas com ela, sai de mãos dadas, e para surpresa da minha mãe, com o tratamento concluído. Ela deu os parabéns para minha mãe, pela filha educada, inteligente e corajosa. Minha mãe pegou a minha mão e deu um beijo na minha testa. E eu disse: A Doutora Lourdes falou para a senhora comprar sorvete para mim. Quero só de chocolate para a menina mais corajosa do mundo!... A minha mãe com aquela voz sorridente e autoritária: ’’A menina mais corajosa do mundo depois que tomar o sorvete, escova os dentes e vai sempre ao dentista quando precisar, certo?”. E respondi: “Claro que sim, já sei como tudo funciona, Mainha!” E perguntei: “O medo é quando a gente não conhece , se for explicado, melhora, porque a senhora não explica antes? Ela resmungando e caminhando, “Ah, Suzete!...”


método autoritário da minha mãe educar, sempre veio preenchido de amor e proteção; ela tinha um zelo de cuidar e uma sensibilidade intuitiva de sentir, por um filho, tudo o que se passava dentro dele. Muito antes da sua morte, ela conversou comigo e disse: "Minha filha, se eu tivesse mais instrução, tinha educado com mais carinho; imaginava que precisava ser durona para que cada um de vocês seguissem um caminho bom, e graça a deus, são todos formados e bem encaminhados na vida. Você, uma menina linda, sensível e uma inteligência! E com este nariz arrebitado de só fazer o que fosse explicado!...rss".  Respondi para ela que a sua educação dada a nós, seus filhos, era a melhor riqueza que tivemos e, com esta educação, sempre soubemos nos posicionar na vida e valorizar o amor,  nos gestos de gentileza, solidariedade e sensibilidade humana. Ainda disse: A senhora é a melhor mãe do mundo! Ela me abraçou e ficamos no silêncio, entre lágrimas!... 



Suzete Brainer (Direitos autorais registrados)

Imagem: Obra de Alex Alemany.





quarta-feira, 15 de junho de 2016

A Chuva Eternizada no Abraço...






Resultado de imagem para imagem de pintura lauri blank






Por volta dos meus 8 anos, morava perto da escola, quase um quilometro de distância da minha casa. Mesmo assim, a minha mãe me levava e ia buscar sempre. Neste período, eu estudava à tarde. Confesso que não gostava quando a minha mãe interrompia as minhas brincadeiras e ordenava que eu fosse tomar banho, para ir à escola; era quase uma morte das minhas horas de prazer, vestir aquele uniforme que todos vestíamos, achava uma monotonia e falta de colorido a perturbar a liberdade do meu imaginário e da minha individualidade.

A minha mãe era super protetora e autoritária, mas tinha uma presença mágica em cada detalhe, e com tantos talentos. A casa e tudo era cercado pelo seu gesto e suas construções femininas de bordados, pinturas. Tanto eu e quanto a minha irmã, éramos vestidas com roupas belíssimas, confeccionadas por ela. Eu sempre pedia para fazer a mesma roupa para minha boneca.

A minha mãe tinha fobia em relação ao barulho de trovão, era algo que a perturbava de forma sem controle, uma fobia mesmo! Todos da família sabiam que se chovesse muito com trovão, ela precisava de socorro. Ela ficava assustada e buscava abrigo; se estivesse em casa, ficava na cama debaixo de cobertas sobre a cabeça e quando passava o trovão, tudo normal.

Ela me deixou na escola, com um beijo rápido na cabeça e seguiu com o olhar a minha entrada na sala de aula. No meio da tarde começou a chover muito e de repente os trovões. Quando na saída, a Freira do colégio me avisou para esperar o meu irmão mais velho que vinha me buscar. Imediatamente me lembrei da minha mãe e não pensei duas vezes, saí correndo do colégio para minha casa, tomando um banho de chuva, com o pensamento fixo de salvá-la do medo do trovão, ela estava sozinha em casa e quem iria protegê-la?

Quando cheguei a nossa casa tudo fechado e eu a gritar por ela bastante tempo. A vizinha tinha levado-a para sua casa e me chamou. Entrei e fui para os braços da minha mãe, chorando e ela também, eu dizia soluçado que queria protegê-la do trovão, ela com uma toalha bem fofa me enxugando, dizendo que eu era muito corajosa, mas nunca mais fizesse isso, tinha que esperar um adulto para me buscar na escola. A vizinha se aproximou de mim e disse: “muito bonito este seu amor pela sua mãe!” e me deu um beijo na testa.

Noutro dia, fiquei em casa com gripe, por conta da chuva que levei, mas a minha mãe cuidando de mim e eu com status de super-herói, na cama brincando com as minhas bonecas e aconselhando a não andar na chuva sem capa.

Até hoje me lembro das cenas e o meu sentir de socorrer a minha mãe do medo e, quem sabe, isso não teria me levado à escolha da minha profissão de Psicóloga. A vida tem mistérios tão belos construídos num bordado de sentidos e significados.

Sempre que chovia com trovão, onde eu estivesse, telefonava para minha mãe, para saber dela. Após a ligação, eu me encontrava com a minha menina correndo na chuva e o nosso abraço. E, assim, a minha mãe, a minha menina e o nosso abraço moram sempre dentro de mim, com o lembrete do amor que cuida e abraça no grito de socorro!...



Suzete Brainer (Direitos autorais registrados)

Imagem: Obra de Lauri Blank.



segunda-feira, 13 de junho de 2016

Beija-flor Azul












Um beija-flor
Azul entrou na minha janela,
Beijou meus lábios sem cerimônia 
E com a certeza de pertencer aos meus sonhos
De todas as noites.

Um beija-flor
Azul entrou na minha janela,
Voamos sem rumo
E depois numa estrela da madrugada
Celebramos o nosso amor
Sem realidade.

Um beija-flor
Azul sem destino,
Sussurrou que a vida
É um voo,
Abracei as suas asas
Para o voo além
Da minha janela...



Suzete Brainer (Direitos autorais registrados)

Imagem: Obra de Manuel Nunez.